sábado, 19 de janeiro de 2013

O diário de um Ateu


rico-pobre

Querido Diário.
Muito recentemente um cristão católico ralhou comigo por eu ter dito que o mundo que o Deus dele criou estava cheio de defeitos. Ele me desafiou, então, a apresentar um projeto melhor e, caso não conseguisse, que fosse eu lavar minha boca com sabão e água benta.
Fui buscar inspiração no fundo da alma que eu nem tenho e, imaginando-me detentor de um poder equivalente ao de seis sextilhões de super-homens combinado com o de três Mestres dos Magos, acabei desenhando um mundo bem melhor do que esse nosso. A coisa ficou tão bem feita, mas tão bem feita que teve até crente se declarando indigno de viver num lugar assim tão bom. Outros crentes vieram dizer que o meu projeto não fazia sentido, porque se eu, valendo-me do meu poder ilimitado, impedisse um avião de cair, por exemplo, iria acabar gerando engenheiros aeronáuticos descompromissados em projetar aviões seguros.
Acontece que o desafio não estipulava que eu deveria criar um mundo que fizesse sentido, mas um que fosse melhor do que o atual. Será que um mundo em que um Deus onipotente que nos ama impedisse desastres aéreos seria melhor do que esse nosso, em que os engenheiros aeronáuticos precisam se esforçar ao máximo para produzir aviões seguros? Eu acho que seria. Mas o religioso vê as coisas de um jeito bem diferente.
Dia desses, uma tia me mandou uma apresentação em PowerPoint em que cada slide, mostrando gente de classe média em atividades rotineiras, perguntava coisas como: “você não está feliz com o seu trabalho?”, “você não está feliz com a sua casa?”, “você não está feliz com os seus estudos?”, etc., e era seguido por slides mostrando pessoas miseráveis, gente humilde trabalhando sob condições desumanas, idosos morando em lugares imundos, crianças usando o chão como caderno, etc., sempre com a mesma pergunta: “e eles?”. A ideia era fazer eu me sentir feliz com a minha vida, visto que eu não fazia parte do “eles”.
Eu respondi o e-mail dizendo que essa visão trazia a reboque um pensamento pavoroso: o de que, se vivêssemos num lugar maravilhoso, sem desigualdades e sem sofrimento, seríamos todos infelizes, por não termos ninguém mais desafortunado do que nós com quem pudéssemos nos comparar.
Os cristãos que criticaram o meu projeto agora precisariam admitir que o prêmio com o qual Jesus lhes acenava também não faria o menor sentido, pois certamente ele teria que ser um lugar ainda mais perfeito do que esse que eu inventei: sem desigualdade, sem sofrimento, sem desastres de avião. Ou isso, ou se conformar com o fato de que o Paraíso teria como único atrativo o alívio de não estar sendo torturado no Inferno. Porque o lugar em que seriam condenados a viver com o seu Deus seria um depósito eterno de infelizes.

Direto do deusILUSÃO.

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