domingo, 7 de abril de 2013

Hermenêutica & Exegese

Por Shirley S. Rodrigues Direto do http://deusilusao.com/

Uma das coisas que mais aborrecem o crente cristão é ser confrontado com as práticas brutais e/ou insensatas constantes em muitas passagens do Antigo Testamento, principalmente.

Perguntados, por exemplo, se consideram certo que Deus tenha ordenado o apedrejamento de adúlteros (Levítico, 20:10); ou se é procedente a orientação de não tocar em mulheres no período menstrual (Levítico 15:19); ou se Deus estava sendo pelo menos justo ao instruir o profeta sobre a forma de se tratar os escravos (Êxodo 21:21), visto que a prática da escravidão deveria, por sua própria natureza, ser terminantemente proibida por Deus, o crente minimamente instruído irá se irritar e responder que para tais questões é necessário levar em conta a exegese e a hermenêutica. E o fará com aquela expressão que diz: pensa que sabe de tudo, é? Com isso entenderá que respondeu magistralmente a questão e esperará que o interlocutor sinta-se encurralado.

Interessante notar que não serão poucos os que se deixarão intimidar, ao menos momentaneamente, por esse argumento enganador. Por que é enganador? Porque Deus é perfeito. A perfeição divina é a pedra angular da fé. Ou é o que alegam as religiões cristãs.

Nem mesmo o argumento do amor divino tem o status do argumento da perfeição divina. Quando se propõe que um crente considere o amor divino como real, tendo em vista o sofrimento de seus ‘filhos’, ele, crente, não se incomoda com a contradição. Afinal, o amor de um pai, por incondicional que seja, está sujeito ao comportamento do filho, isto é, um pai não poderá proteger seu filho de tudo e de todos, não raro de si mesmo, todo o tempo. De modo que esse é um argumento que encontra eco na experiência do crente enquanto ser humano, podendo então ser racionalizado.

Já a perfeição divina, esta, por paradoxal que seja diante dos fatos constantes na existência humana, é argumentação definitiva; é definitiva, novamente de forma paradoxal, porque o ser humano está sempre agudamente cônscio de sua própria falibilidade. Necessita desse porto seguro, de contar com alguém que é perfeito e em algum tempo e lugar resolverá de forma ideal todas as questões inerentes à condição humana.

É amparada na concepção da perfeição divina que a religião cristã em suas variadas confissões se sente autorizada a cooptar fiéis, pois é portadora da palavra divina; é amparada nessa concepção que a religião se permite determinar comportamentos e condutas como certos ou errados, interferindo também no comportamento e conduta de quem não professa a religião; é também a proverbial cenoura na frente do burro.

Dessa forma, no momento em que alguém alega a necessidade de interpretação e contextualização dos textos bíblicos, está agindo de forma enganadora. Ou Deus é perfeito ou não é. A hermenêutica e a exegese podem ser aplicadas a tudo, menos a Deus e sua palavra, a Bíblia. Se ele é perfeito, não pode haver dúvidas sobre o que quis dizer; nem mesmo se poderia argumentar, in extremis, que o veículo usado para expressar essa palavra ou entendeu mal ou exorbitou.

Sendo Deus perfeito, numa questão fundamental como seria transmitir suas orientações aos seus ‘filhos’, ele não poderia permitir engano de espécie alguma. De maneira que, se era válido apedrejar adúlteros milênios atrás, tem que continuar sendo válido hoje. Se ofendia o todo-poderoso, há dois, três mil anos, que seus ‘filhos’ trabalhassem no dia a ele dedicado, continua a ser ofensivo hoje. Ou é assim, ou Deus não sabe o que faz, ou não tem certeza do que faz; se assim é, ele não é perfeito.

Qualquer pessoa disposta a realizar esse exercício de pensamento com um mínimo de honestidade chega a essa conclusão, tão simples. Qualquer pessoa disposta a passar por cima da coerência e da honestidade em nome da fé, usando o argumento da necessidade da interpretação e contextualização, é um trapaceiro intelectual e nem mesmo a fé justifica tal coisa.

 

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