sexta-feira, 11 de junho de 2010

Os Jesuses....

Quando ouve falar em Jesus, uma reação natural de um não-cristão seria perguntar:
Qual deles?
A pergunta pode soar absurda, ou mesmo ofensiva, para um cristão, mas é perfeitamente cabível fora do âmbito religioso no qual os cristãos situam o nome e a pessoa de Jesus de Nazaré.
Eu, particularmente, reconheço três “Jesuses” distintos e diferentes entre si, cada um deles sujeitos a outras tantas sub-divisões:
  1. O Jesus histórico, o homem que viveu na palestina, liderou um movimento de revisão dentro do judaísmo e sobre o qual praticamente não há registros confiáveis, fora os Evangelhos;
  2. O Jesus teológico, que os diferentes concílios cristãos definiram por decreto nos dogmas da divindade e da trindade, passando a considerar heréticas outras leituras do texto bíblico;
  3. O Jesus dos evangélicos e fundamentalistas cristãos em geral, uma entidade definida principalmente por experiências pessoais de religiosidade ou de espiritualidade, como geralmente são chamadas pelos crentes em questão.

Jesus Histórico

O Jesus histórico é uma incógnita, investigável apenas pelas técnicas que os historiadores utilizam para, a partir de fatos documentados subseqüentes, rastrear os antecedentes de um determinado fenômeno histórico sobre o qual há poucos registros.
No caso da pessoa humana e real de Jesus, não há evidências arqueológicas definitivas enquanto as citações de historiadores são suspeitas, excessivamente vagas ou não contemporâneas.
Os Evangelhos são considerados e estudados dentro das técnicas da exegese histórica, que se vale de ferramentas diversas, da lingüística à semiótica, para identificar o que é cientificamente válido no conjunto do texto.
De todos os estudos feitos, tem-se por resultado apenas teorias, como as que consideram a possibilidade de Jesus haver sido membro ou dissidente da seita dos essênios, grupo que conduziu um movimento de humanização dentro do judaísmo.

Jesus Teológico

O Jesus teológico é produto de uma complexa combinação de elementos religiosos, filosóficos e sócio-culturais.
Os cristãos primitivos já atribuíam divindade à pessoa do Cristo. Conforme o cristianismo se expandiu como religião, as lideranças cristãs sentiram a necessidade de dar uma definição e explicação única a este dogma, antes que a igreja se fragmentasse em conseqüência das diferentes interpretações.
Os dogmas básicos do cristianismo: a divindade e consubstancialidade de Cristo, foram afirmadas pelo Concílio de Nicéia, no século IV.
As diferentes opções dos bispos entre as resoluções do concílios provocaram o primeiro cisma entre os cristãos, dividindo a igreja entre a facção romana, posteriormente chamada católica apostólica e a facção grega, posteriormente chamada ortodoxa.
No século XVI a Reforma Protestante estabeleceu uma nova divisão, com a novidade de que a nova corrente desautorizou os concílios e decretou que apenas a Bíblia tem autoridade sobre questões religiosas cristãs, mesmo que interpretada individualmente, no que se chamou de sola scriptura.
Não obstante seu caráter revisionista, a maioria das denominações protestantes preservou os dogmas da divindade e consubstancialidade de Cristo, como definidas no Concílio de Nicéia.
O centralismo papal da Igreja Católica Romana impediu outras sub-divisões em seus dogmas, mas os ortodoxos se cindiram em ramos, enquanto os protestantes se fragmentaram em uma infinidade de denominações, muitas vezes conflitantes dogmaticamente entre si.
Cada uma destas sub-divisões cristãs tem sua própria idéia sobre Jesus, a maioria ainda segue Nicéia nos dogmas fundamentais, mas basta comparar as diferenças doutrinárias entre Adventistas do Sétimo Dia e Testemunhas de Jeová (religiões originadas do mesmo tronco do protestantismo) para se constatar o quanto as percepções sobre o tema são distintas.
Assim, o Jesus teológico é uma escolha entre múltiplas, podendo o estudioso não-cristão analisar a consistência filosófica de cada uma delas, mas jamais apontar alguma como verdadeira.

Jesus dos Evangélicos e Fundamentalistas

O Jesus dos evangélicos e fundamentalistas cristãos, em geral, é uma entidade supra-teológica, um conceito pessoal que combina interpretações bíblicas, via sola scriptura, com vínculos emocionais estabelecidos por experiências íntimas de cunho religioso, por eles chamadas de “espirituais”.
É mais fácil para o estudioso não-cristão compreender a religiosidade católica, detalhadamente documentada e justificada dentro de preceitos filosóficos aristotélicos, do que apreender o significado da religiosidade evangélica, particularmente a neo-pentecostal, que dispensa completamente a presença de elementos intelectuais em sua constituição.
Quando um evangélico usa jargões doutrinários, como “conhecer Jesus” ou “aceitar Jesus”, refere-se não a um personagem teológico claramente formatado, e sim a uma entidade mística, inteligível apenas no foro intimo.
O Jesus dos evangélicos esta sempre acompanhado de indistintas sensações e emoções, não raro associadas à idéia de uma revelação sobrenatural nos moldes da narrada por Paulo, no caminho de Damasco.
As dificuldades de comunicação entre não-cristãos e evangélicos são originadas principalmente do fato dos primeiros não conseguirem apreender o significado da entidade Jesus, exaustivamente propagada por eles, enquanto os evangélicos vêem nesta incapacidade um sintoma de “inferioridade espiritual”, “ausência do sinal dos eleitos”, “carência do Espírito Santo” ou coisas do tipo, centrados que são em sua crença de que o cristianismo é a única fé verdadeira e todas as demais devem se submeter a ela ou aceitar a danação eterna.
Assim, o único modo de se compreender um evangélico ou um fundamentalista, e o significado que dão à entidade Jesus, é se convertendo.
É uma questão tipicamente agnóstica a dúvida se Deus é cognoscível ou não.
O Jesus dos evangélicos, com certeza, não é.

Copiado do AteusdoBrasil.com.br

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