sábado, 8 de dezembro de 2012

Blasfêmia

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Logo depois da publicação de God Delusion (Deus, um delírio), Richard Dawkins foi entrevistado num programa de tevê em que respondeu algumas perguntas dos telespectadores, dentre elas, a de uma moça turca que, após dizer que não tinha lido o livro, perguntou o que ele pensava a respeito de ter escrito coisas tão ofensivas sobre a religião dela. Richard Dawkins deu, então, uma de suas respostas antológicas. Primeiro, ele lembrou à moça que, se escreveu coisas ofensivas, certamente não foi de forma gratuita, mas, de todo modo, esperava que ela tivesse lido o livro antes de se achar apta a criticá-lo. Segundo, que se alguém tinha uma visão completamente diferente da dele, seria de se esperar que essa pessoa pudesse defender sua posição argumentando algo como “Você está errado aqui, aqui, e aqui”, e não simplesmente dizendo “Ah, isso é ofensivo!, isso é ofensivo!”.
Eu considero esse tipo de atitude como sendo parte de um sistema de defesa da crença religiosa; um grito de alerta ou, antes, um sinal de ataque que denuncia à coletividade devota a ameaça representada pela presença do descrente. É mais ou menos o mesmo que se observa quando uma abelha é morta pela mão de quem se aproximou demais da colmeia: com os odores do seu corpo mutilado, a sentinela suicida sinaliza às suas companheiras onde os demais ataques deverão se concentrar. O feromônio do inseto morto marca o inimigo; os gritos de “blasfêmia!” denunciam à sociedade o ateu.
Resumindo, quando um crente ouve ou lê algo sobre a sua fé que não lhe agrada, ele tende a pedir ajuda aos demais para repelir aquela ameaça, como parte de um procedimento instintivo de defesa. Não há por que esperar, então, que ele queira entrar em discussões filosóficas sobre o assunto; é mais provável que só queira mesmo se livrar do intruso. Melhor ainda pra ele que nem precisa morrer, como a abelha; ele só precisa chamar a atenção para o alvo: “Blasfêmia! Blasfêmia!”.
Mesmo não tendo como defender de forma racional suas convicções, pelo menos ele não se sentirá sozinho. Em pouco tempo, terá a companhia de um enxame igualmente incapaz de refutar os argumentos dissonantes, mas, como grupo, habilmente treinado na arte mortal de eliminar dissidentes.
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CONTINUAÇÃO:  Parte 2  -  Parte final

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