sexta-feira, 8 de junho de 2012

O acaso e a nossas vidas

Autor: Fernando Gurgel Filho
Editor: Tiago Angelo

 1 – O que é “acaso”?
Segundo os dicionários, acaso é “um conjunto de pequenas causas independentes entre si, que se prendem a leis ignoradas ou mal conhecidas, e que determinam um acontecimento qualquer”.
É de se notar que, na definição de “acaso”, existe uma ligação direta entre causa e efeito, causa e consequência e que, mesmo desconhecendo a causa, esta foi determinante para o acontecimento.
Em outras palavras, quando observamos a ocorrência de um fato, mas dizemos que o “acaso” provocou, é porque não conhecemos a causa que foi determinante para o acontecimento.
E se o acaso puder ser definido de outra forma? Se definirmos o acaso como a ausência de causa ou como algo que pode ter se originado de tantas outras causas – nenhuma determinante em si mesma para a ocorrência e, ainda, possivelmente sem nenhuma conexão entre si – e que podemos dizer com certeza que não existe causa ou série causal que a determinou? É possível?
Creio que sim e é isso que ocorre em nossas vidas. Religiões, superstições, conhecimento, relacionamentos, mandingas, simpatias, são apenas formas como tentamos agir sobre nossas vidas esperando conseguir um resultado previsível.
Entretanto, o resultado que pretendemos alcançar como, por exemplo, sucesso profissional ou acertar na loteria, não está vinculado diretamente a nenhum desses fatores e pode até ter sido determinado por fator nenhum. Apenas aconteceu por mero acaso. E neste caso, estamos querendo dizer que nenhuma causa foi determinante para o resultado alcançado.
Aí, o nosso cérebro dá um nó, porque, a imensa maioria das pessoas, dentre as quais podemos citar filósofos, cientistas e outros estudiosos, rejeita a ideia da existência de um acontecimento sem uma causa que o determinou. Seria algo como, em física, dizer que observamos uma reação sem ter havido qualquer ação anterior.
2. Determinismo
Existe corrente filosófica que rejeita veementemente a ideia de acaso. Para esses pensadores não existe acaso. Assim, não existem causas independentes e desconhecidas, existe apenas o desconhecimento do início de onde se originou a causa. E, ainda segundo essa corrente, as explicações estariam no início do Universo onde tudo o que aconteceu ou acontecerá já teria sido determinado. Essa corrente de pensamento é chamada de “determinista”.
Foi Laplace quem deu a maior contribuição ao determinismo ao afirmar que, não existindo o que chamamos de acaso, é possível achar explicação para qualquer evento. Segundo ele, se existisse uma inteligência que pudesse conhecer todas as forças que atuam ou que atuaram sobre o Universo desde o seu nascimento, essa inteligência poderia explicar qualquer acontecimento, mostrando suas causas. Poderia, também, predizer, a partir de uma situação presente, tudo que iria acontecer a partir daí.
Os deterministas são de opinião que, em todo o Universo, todos os corpos e forças atuam uns sobre os outros de forma que sempre haverá um encadeamento obrigatório e lógico entre os acontecimentos.
Em suma, para os deterministas, tudo está escrito e nada acontece por acaso e, portanto, nada acontece sem uma finalidade já definida no início dos tempos.
3. Livre arbítrio
Em oposição ao determinismo, existe uma outra corrente que defende a existência, não de uma causa única e primordial, mas de “cadeias de causas e efeitos interligadas onde um fenômeno determina um outro, que determina um outro…, e juntos eles constituem uma série causal”. Assim, dentro de cada cadeia causal é possível localizar a causa de cada ocorrência. Uma série causal poderia ser, então, completamente independente de uma segunda.
Duas séries causais seriam consideradas independentes quando não existisse um elo de ligação entre elas. Como exemplo, citam a ocorrência de um eclipse, ao mesmo tempo em que verifica que o pneu de seu carro furou. Por serem fenômenos sem nenhum elo de ligação entre si, podemos dizer que o furo do pneu ocorreu por acaso, não tem nada a ver com o eclipse.
Caso o eclipse tivesse provocado intensa escuridão e, em consequência, o carro tivesse caído em um buraco e furado o pneu, poderíamos dizer que duas séries causais independentes (o eclipse e o fato do autor estar na rua com seu carro) se cruzaram resultando em uma terceira série causal: o furo no pneu do carro.
Segundo essa entendimento a respeito do acaso, ainda que todos os fatos ocorram dentro de um mesmo Universo, a existência de fatos isolados dos demais justificaria o livre arbítrio. No pensamento determinístico não há espaço para o livre arbítrio, tudo já estaria determinado e ocorreria de acordo com o preestabelecido. A aceitação da existência de séries causais independentes resulta na convicção de que o homem pode evitar que séries causais independentes se cruzem, podendo, também, criar suas próprias séries causais que gerariam consequências previsíveis.
Essa corrente de pensamento levou o ser humano a acreditar em resultados, bons ou maus, advindo de deuses, em atos praticados em vidas passadas, em atos praticados por ele ou seus antepassados, na bondade dos santos, bem como em mandingas, simpatias e superstições sem fim. Ou seja, com o livre arbítrio, o ser humano, ao invés de se sentir livre para tomar as rédeas de seus próprios resultados, ficou preso a fatores e crenças que, na sua imaginação, seriam determinantes para criação de séries causais propícias ao resultado que ele estava procurando.
Isso acontece porque é muito difícil para o ser humano aceitar consequências sem causas diretas, bem como reação sem ação anterior que a provocou. Tudo porque tendemos a procurar padrões e, nos relacionamentos humanos e suas consequências, pode não existir um padrão para as causas nos resultados observados, mesmo que sejam iguais ou parecidos com os milhares de resultados que ocorrem em torno de nós.
Não que a causa seja desconhecida ou não possa ser apurada. Mas um mesmo resultado pode ter sido obtido por várias causas sobre as quais não temos controle, podemos apenas inferir o grau de probabilidade de um evento ocorrer sob várias causas possíveis.
4. Aleatoriedade
Segundo alguns estudiosos, essa aparente dificuldade em aceitar a ideia do acaso em sua definição mais correta é porque resultaria na aceitação de que os corpos que compõem o Universo não tem, nem nunca tiveram, qualquer relação de causa e efeito direta. Rejeitam a ideia de que todos os acontecimentos, inclusive o início do processo que resultou no Universo como hoje o conhecemos, seriam obra do mais puro acaso.
A partir daí, uma outra corrente vem se destacando, aceitando a ocorrência de séries causais independentes, que consideram aleatórias, ou seja, sem um padrão definido, e rejeitam a tese de que o ser humano pode atuar sobre essas séries causais de forma a gerar resultados previsíveis.
Os índios canadenses têm uma frase que resume isto muito bem: “Formigas montadas em um tronco descendo o rio têm a certeza de que o estão dirigindo”.
Assim, não tendo como gerar resultados previsíveis, todos os humanos, por mais conscientes que sejam e por mais visão de futuro que tenham, irão se deparar a todo momento com o mais puro jogo de dados, onde existem apenas probabilidades de acertar qualquer dos números em uma jogada qualquer.
Por isso, existem pensadores que afirmam ser a determinação e a persistência mais importantes para a obtenção de um bom resultado em uma carreira profissional ou empresarial, por exemplo, do que a inteligência, sabedoria ou conhecimento acumulado.
Calvin Coolidge, um dos Presidentes dos Estados Unidos, chegou a afirmar que: “Nada no mundo pode substituir a persistência. O talento não pode. Nada é mais comum do que pessoas talentosas frustradas. A genialidade não pode. O gênio não recompensado é quase proverbial. A educação não pode. O mundo está cheio de fracassados instruídos. Apenas a persistência e a determinação são onipotentes.”
Diante da aleatoriedade que cerca a existência humana, probabilidades de acerto resultam, então, mais da quantidade de ações desenvolvidas em uma determinada direção do que qualquer outro fator que esteja sob nosso controle ou que venhamos a controlar.
Leonard Mlodinov, em “O Andar do Bêbado”, define bem: “…um dos importantes fatores que levam ao sucesso está sob nosso controle: o número de vezes que tentamos rebater a bola, o número de vezes que nos arriscamos, o número de oportunidades que aproveitamos. Pois até mesmo uma moeda viciada que tenda ao fracasso às vezes cairá do lado do sucesso.”
Então, “tente outra vez”, como diria o sábio Raulzito.

Fonte: Bule Voador.

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