sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Dicionário de Cético: Leitura à Frio

"No decorrer de uma leitura bem sucedida, pode ser que o paranormal forneça a maioria das palavras, mas é o cliente quem fornece a maior parte do sentido e todo o significado". -- Ian Rowland (2000: 60)
Chama-se de leitura a frio um conjunto de técnicas usadas por manipuladores profissionais para fazer com que uma pessoa se comporte de uma certa forma, ou a pensar que os que fazem a leitura têm algum tipo de capacidade especial que "misteriosamente" permite que saibam coisas sobre ela. A leitura a frio vai além das ferramentas usuais de manipulação, sugestão e adulação. Através dela, vendedores, hipnotizadores, publicitários, curandeiros, vigaristas e alguns terapeutas tiram proveito da predisposição dos clientes a encontrar mais significado numa situação do que realmente existe. O desejo de encontrar sentido em nossas experiências já nos levou a várias descobertas maravilhosas, mas também levou muitos de nós a desvarios. O manipulador sabe que sua vítima tenderá a tentar encontrar sentido em qualquer coisa que se diga a ela, não importa o quão absurda ou improvável. Sabe também que as pessoas normalmente são egocêntricas, que tendem a ter visões pouco realistas de si mesmas e que geralmente aceitam alegações que refletem, não o que são, ou mesmo o que realmente pensam ser, mas o que desejariam ser ou o que pensam que deveriam ser. Também sabe que, dentre as diversas alegações que fizer sobre você, e que você rejeitar como incorretas, irá sempre fazer uma que encontre sua aprovação. E sabe que você se lembrará dos acertos que ele fizer e se esquecerá dos erros.
Assim, um bom manipulador pode fornecer uma leitura para uma pessoa totalmente estranha, o que irá fazer com que essa pessoa sinta que ele possui algum poder especial. Por exemplo, Bertram Forer nunca o conheceu, embora ofereça a seguinte leitura a frio a seu respeito:
Algumas de suas aspirações tendem a ser bem irrealistas. Você às vezes é extrovertido, afável e sociável, embora em outras vezes seja introvertido, cauteloso e reservado. Descobriu que não é recomendável ser excessivamente sincero ao se revelar para outras pessoas. Tem orgulho de pensar de forma independente e não aceita afirmações de outros sem provas satisfatórias. Prefere uma certa mudança e variedade, e fica insatisfeito quando é cercado por restrições e limitações. Às vezes tem sérias dúvidas sobre se tomou a decisão correta ou fez a coisa certa. Disciplinado e com auto-controle por fora, tende a ser preocupado e inseguro no íntimo.
Seu ajustamento sexual tem apresentado alguns problemas. Embora tenha algumas fraquezas de personalidade, geralmente é capaz de compensá-las. Você tem uma considerável capacidade não utilizada, que ainda não usou a seu favor. Tende a ser crítico em relação a si mesmo. Sente forte necessidade de que outras pessoas gostem de si e o admirem.
Eis outra leitura:
Pessoas próximas têm tirado vantagem de você. Sua honestidade básica tem obstruído seu caminho. Você teve de renunciar a muitas oportunidades que lhe foram oferecidas no passado por recusar-se a tirar vantagem dos outros. Gosta de ler livros e artigos para aprimorar a mente. Na verdade, se você já não estiver no ramo dos serviços pessoais, deveria estar. Tem uma capacidade infinita de compreender os problemas das pessoas, e pode simpatizar com elas. Mas é firme quando confrontado com a obstinação ou a estupidez pura e simples. Outra área que você compreende bem poderia ser a da lei. Seu senso de justiça é bastante forte.
Este último é do astrólogo Sidney Omarr. Ele nunca o viu e ainda assim sabe tanto sobre você (Flim-Flam!, 61). O primeiro foi tirado por Forer de um livro de astrologia de banca de revistas.
A seletividade da mente humana está sempre em funcionamento. Procuramos e escolhemos quais dos dados iremos lembrar e a quais deles atribuiremos significado. Em parte, fazemos isso em função do que já acreditamos ou queremos acreditar. Em parte, fazemos isso para encontrar sentido na experiência pela qual estivermos passando. Não somos manipulados apenas por sermos crédulos ou sugestionáveis, ou apenas porque os sinais e símbolos do manipulador são vagos ou ambíguos. Mesmo quando os sinais são claros e somos céticos, ainda assim podemos ser manipulados. Na verdade, é possível que as pessoas especialmente brilhantes sejam as mais propensas a ser manipuladas quando a linguagem é clara e elas raciocinam logicamente. Para se fazer as conexões que o manipulador deseja que se façam, é preciso que se pense logicamente.
Nem todas as leituras a frio são feitas por manipuladores maliciosos. Algumas são feitas por astrólogos, grafólogos, leitores de tarô e paranormais que realmente acreditam ter poderes psíquicos. Ficam tão impressionados com suas predições e descobertas corretas quanto ficam seus clientes. Devemos nos lembrar, no entanto, que assim como os cientistas podem errar em suas predições, pseudocientistas e charlatães também podem errar nas deles.
Parece haver três fatores comuns a esses tipos de leituras. Um deles é o jogar verde. O paranormal diz algo vago e sugestivo, por exemplo, "tenho um forte sentimento sobre janeiro aqui". Se o cliente reagir, positivamente ou negativamente, a próxima jogada do paranormal é representar de acordo com a reação. Por exemplo, se a pessoa disser, "Eu nasci em janeiro", ou "minha mãe morreu em janeiro", o paranormal dirá algo como "Sim, posso ver isso", qualquer coisa que reforce a idéia de que se foi mais preciso do que realmente foi. Se a pessoa reagir negativamente, por exemplo, "não consigo pensar em nada especial com relação a janeiro", o paranormal poderia responder, "Sim, eu vejo que você suprimiu uma lembrança a respeito disso. Você não quer se recordar dela. Algo doloroso em janeiro. Sim, eu sinto isso. É na região lombar [jogando verde]... ah, agora está no coração [jogando verde]... humm, parece ser uma dor na cabeça [jogando verde]... ou no pescoço [jogando verde]". Se o cliente não esboçar nenhuma reação, o paranormal pode abandonar a área deixando firmemente implantada na mente de todos que ele realmente 'viu' algo, mas que a supressão do evento pelo cliente impediu que ambos obtivessem os detalhes do ocorrido. Se a pessoa der uma resposta positiva a qualquer das tentativas de jogar verde, o paranormal dá seqüência com mais "Vejo isso claramente agora. Sim, o sentimento no coração está ficando mais forte".
Jogar verde é uma verdadeira arte e um bom mentalista carrega munição variada na memória. O mentalista profissional e autor de um dos melhores livros sobre leitura a frio Ian Rowland (2002), por exemplo, diz ter gravadas na memória coisas como os nomes masculinos e femininos mais comuns e uma lista de itens que provavelmente são encontrados numa casa, como um calendário velho, um álbum de fotos, recortes de jornal e assim por diante. Rowland também trabalha certos temas que provavelmente irão ter ressonância com a maioria das pessoas que consultam paranormais: amor, dinheiro, carreira, saúde e viagens. Como a leitura a frio pode ocorrer em vários contextos, Rowland explora diversas táticas. Mas não importa se a pessoa trabalhe com astrologia, grafologia, quiromancia, psicometria, ou cartas de Tarô, ou esteja canalizando mensagens dos mortos à la James Van Praagh, há técnicas específicas que ela pode usar para impressionar os clientes com sua capacidade de saber coisas que parecem exigir poderes paranormais.
Outra característica dessas leituras é que apresentam-se numerosas afirmações na forma de uma declaração vaga ("Estou tendo um sentimento de calor na região da virilha") ou na forma de de uma pergunta ("Sinto que você tem fortes sentimentos por alguém nesta sala. Estou certo?") A maioria das afirmações específicas é fornecida pelo próprio cliente.
Alguns especialistas em leitura a frio dão ênfase a prestar atenção à linguagem corporal e coisas como as roupas do cliente.
O leitor começa com generalidades que são aplicáveis a amplos segmentos da população. Presta cuidadosa atenção às reações: palavras, linguagem corporal, cor da pele, padrões de respiração, dilatação ou contração das pupilas, e outras coisas mais. O cliente da leitura geralmente irá transmitir informações importantes ao leitor, às vezes em palavras e às vezes em reações corporais à leitura.
A partir da observação, o leitor irá retransmitir ao cliente o que este gostaria de ouvir. Esse é o princípio guia da esmagadora maioria dos místicos: Diga a eles o que desejam ouvir. Isso irá fazer com que voltem sempre (Steiner 1989: 21).
Além disso, aquelas ocasiões em que o paranormal tiver dado um palpite errado sobre o cliente serão esquecidas por este e pela platéia. O que será lembrado serão os aparentes acertos, dando a impressão geral de "Uau! De que outra forma ela poderia saber tudo isso a não ser que ela seja paranormal?". Esse mesmo fenômeno de supressão das evidências em contrário e de pensamento seletivo é tão predominante em toda forma de demonstração paranormal que parece estar relacionada ao velho princípio psicológico: um homem vê o que quer ver e desconsidera o resto.

Via : http://www.skepdic.com/brazil/leiturafria.html

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