Atualmente,
quando um filho de Deus bate à minha porta, em pleno domingo de manhã,
querendo “ler a palavra” pra mim, eu logo despacho o infeliz com uma
declaração semelhante a essa:
Olha, eu acho esse livrinho aí uma coleção de fábulas. Algumas tolas, algumas ridículas, algumas grotescas. Não quero que você leia pra mim, não.
Se isso não parece dar resultado, eu uso a minha frase bat-repelente:
Eu não acredito em Deus, não aceito Jesus como meu salvador, e renego o Espírito Santo.
Aí
eles vão embora. Já quando é uma filha de Deus… e quando é jeitosinha…
eu tento exibir meus conhecimentos bíblicos, e geralmente começo assim:
Você já leu a Bíblia toda?
Nunca
conheci ninguém que tivesse lido a Bíblia do Gênesis ao Apocalipse. E
acho muito difícil alguém querer me convencer de uma coisa se, ela
mesma, não se mostra convencida:
Mas essa é boa! Quer dizer que Deus mandou escrever esse livro pra você, pra te ensinar a ser boa, a ter moral, a fazer o que é certo, além de, principalmente, mostrar como salvar sua alma do Inferno, e você não teve a curiosidade de ler tudo?
Não
é estranho? Pois eu acho. Muito. E mais ainda o fato delas não se
interessarem nem um pouco pelo Antigo Testamento, com exceção de um ou
outro versículo escolhido a dedo do meio de inúmeros outros que precisam
desculpar, justificar, reinterpretar das formas mais mirabolantes, para
que esses versículos realmente não digam o que parecem que dizem.
Uma
vez a garota arregalou os olhos quando eu disse que Deus havia mando
matar um homem a pedrada só porque ele havia descumprido a lei do
descanso sabático (Num 15:32). Ela buscou refúgio na companheira,
esperando que a outra dissesse que eu estava delirando, mas só ouviu a
amiga dizer que “A lei antiga não estava mais valendo. Agora vivemos sob a Graça”. E adivinha quem disse isso? Jesus? Não. Só pode ter sido Saulo de Tarso, vulgo São Paulo, o metido.
Que
autoridade teria Paulo para contradizer o próprio Deus em forma humana?
Jesus tem uma fala em Mateus em que diz que não veio revogar a Lei
Mosaica (Mat, 5:17), ou seja, ele não pretendia mudar sequer um jota ou
til daquilo que Deus já havia determinado. E isso é mais do que
reforçado pela cena da tentativa de apedrejamento de Maria Madalena, em
que Jesus deixa claro que não veria problema nenhum em que se
apedrejasse a mulher (“Que atire a primeira pedra…”), desde que os algozes dela estivessem eles mesmos cumprindo toda a Lei (“…aquele que estiver sem pecados.”). Quem não cumpria a lei, pecava; e, se pecava, não deveria estar tão ansioso por punir outros pecadores.
No máximo, no máximo, Jesus condenou ali apenas a hipocrisia dos seus
pares que adoravam cumprir as leis terríveis de Deus “nos outros”,
enquanto eles mesmos as desobedeciam.
Se o próprio Deus, em forma humana, disse que suas leis deveriam permanecer como estavam mesmo que “céus e terras passem”,
por que o crente resolveu dar ouvidos a um homem igual a ele que
apareceu, tempos depois, dizendo que aquela lei havia sido substituída?
Resposta:
porque os cristãos daquele primeiro século, os que escreveram a parte
da Bíblia que os cristãos de hoje leem, eram muito mais evoluídos
socialmente do que os que escreveram o Antigo Testamento, a outra parte
que os cristãos não leem. E como foi preciso substituir o Deus judaico
pelo deus cristão — Jesus Cristo — , nada mais previsível do que o novo
deus ter regras novas para passar aos seus novos fiéis. Mas aí, como se
esqueceram de pôr essas falas na boca de Jesus, precisaram colocá-las na
de Paulo, pois não dava pra fazer uma segunda edição dos Evangelhos.
Os
cristãos ficaram, assim, com um deus completamente novo, mais próximo
deles e mais palatável, se comparado ao antigo Deus judaico. Os cristãos
tinham umas novas regras ainda um tanto confusas, mas, pelo menos, não
era preciso sair por aí apedrejando ninguém, segundo Paulo. Eles tinham
um deus que agora se interessava não só em proteger e paparicar Israel,
mas que era o deus de uma “Israel espiritual”, um clube aberto,
portanto, que fez sucesso justamente por isso. Eles tinham algo com que
os judeus jamais poderiam sonhar: a imagem de seu próprio deus para
colar na traseira do carro. E eles tinham, por fim, um símbolo novo de
adoração, a Cruz, que seria o símbolo da nova religião, e que viria a
diferenciar os novos crentes no novo deus, dos velhos crentes no Deus
judaico que os cristãos mataram, sepultaram, e esqueceram.
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