Tudo começou com uma curta pergunta, algumas palavras em uma frase de simples entendimento, apenas alguns bits de informação; Mas a resposta – ou as inúmeras tentativas de resposta – se estendeu por centenas de posts ao longo dos anos.
E estávamos todos na crista da modernidade, em um fórum sobre física
quântica e suas possíveis relações com a espiritualidade, hospedado em
algum servidor na Califórnia, num site de redes sociais criado nas horas vagas por um engenheiro turco do Google.
O modo como nos comunicamos e trocamos informações pode ter mudado
bastante desde que Aristóteles fez essa mesma pergunta a séculos atrás,
mas nossa inquietação perante ela continua praticamente a mesma –
afinal, como exatamente o espírito se une ao corpo?
Em um ambiente freqüentado por físicos e simpatizantes da
ciência em geral, obviamente primeiro era preciso definir o que diabos
era o espírito. Para os céticos de negação, de opinião cristalizada,
era fácil zombar de quem aparentemente acreditava em coisas imateriais,
não detectadas, fantasmas e assombrações… Outros, porém, de olhos mais
atentos, ficaram um tanto curiosos quando alguns de nós falavam em
materialidade do espírito, em partículas fluidas, não
detectáveis pela luz (como os outros 96% da matéria e energia do
universo), a compor corpos dentro de corpos, corpos vestindo corpos,
como nós mesmos vestimos alguma roupa.
Mas ainda era necessário compreender de que forma este espírito se
manifestava no mundo que conhecemos, que é afinal de contas o mundo que
estamos agora, onde fomos colocados, onde bem ou mal precisamos
estudar e amar como todos os outros mundos deste Cosmos infinito. Daí a
física quântica parecia a princípio deslocada…
Está certo, Feynman já havia dito que ninguém havia entendido nada de física quântica, mas certamente os físicos entendiam pouco mais
do que os leigos. E ainda que Hameroff e Penrose tenham um dia
postulado que nosso aparente livre-arbítrio na verdade deriva de
reações descritas pela mecânica quântica em minúsculos tubos
constituídos de proteínas dentro de nosso cérebro, isso não era
suficiente para associar a física quântica ao espírito – até mesmo
porque esta teoria não dispunha de muita credibilidade no meio
acadêmico, a despeito de prestígio de seus criadores.
A ciência moderna envolveu-se neste monumental paradoxo: primeiro,
no campo da neurologia, foi obrigada a postular a existência da
consciência, para somente então tratar de reduzi-la ao mero tilintar de
neurônios no cérebro, a um fruto de reações químicas já estabelecidas,
a suprema ilusão de todos os seres – que crêem que possuem efetivamente
a capacidade de escolha.
Mas a neurologia não resolveu o problema difícil da consciência, não
faz sequer idéia do porque tomamos decisões morais ou imorais,
altruístas ou egoístas, enfim, do porque diabos um bombeiro arrisca sua
vida para salvar a vida alheia em ambientes inóspitos como um prédio
em chamas… Da mesma forma, não é capaz de criar máquinas que interpretem
informações, que falem sobre a “vermelhidão” do vermelho, que
expliquem por meio de algoritmos porque gostaram mais de uma poesia do
que da outra, que determinem o exato valor com que aquela menina ama seu cachorrinho…
Máquinas jamais serão consciências. Nós não somos máquinas, e mesmo
que fossemos, ainda estaríamos muito distantes da engenharia reversa –
de sermos capazes de construir a nós mesmos.
Então, algo nos escapa, a natureza não nos deixa relaxar. Se fomos
criados por um Deus desconhecido ou pelo acaso, pouco importa, porque
não compreendemos muito bem nem um nem outro. Se a consciência é mera
ilusão e se tudo é definido por uma dança neuronal aleatória, então
somos obrigados a seguir tal dança, e uns crêem e outros não, e uns
matam e outros não, e uns amam e outros não, simplesmente pelos
desígnios da deusa Fortuna.
Mas, se existe a consciência, se existe a alma, se existe o
espírito, temos que nos re-conectar a nossa essência, ao nosso
inconsciente oculto, para que possamos viver esta vida do aqui e agora,
mundana, de maneira mais rica, mais profunda, mais poética, mais espiritual.
Se ainda temos alguma escolha, ainda que vivamos num reino estranho
onde partículas ora são onda, ora são pontos, e tem apenas uma
probabilidade de estar aqui e acolá, escolhamos compreender o
incompreensível, mergulhar no mar revolto da natureza – revolto, mas
convidativo.
Sejamos espiritualistas, físicos, ocultistas, céticos, filósofos, ou
ainda tudo isso ao mesmo tempo, esta é uma pergunta que não podemos
nos dar ao luxo de ignorar.
Rafael Arrais, 13/02/2011
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