Fé.
Essa palavra pequenininha é, na sua essência, pura desonestidade
intelectual em ação, potencializada, compartilhada e aplicada a certos
temas, sob certas circunstâncias e durante um certo tempo, com um
determinado fim individual ou coletivo.
Exemplificando:
Um
evangélico, digamos, recebe o diagnóstico de que tem um tumor no
cérebro que irá matá-lo em poucos meses. As chances são de que ele use
sua “fé” mais ou menos nos seguintes termos e na seguinte ordem:
O diagnóstico deve estar errado: Deus não permitiria que tal coisa ocorresse comigo.
Quando vários outros médicos confirmam o mesmo diagnóstico:
Uma operação para a extirpação do tumor vai resolver o problema. Deus vai ouvir meus pedidos de cura e vai interceder.
Quando a operação não ajuda em nada e só debilita a condição física geral:
A medicina não pode me curar, mas minha fé no meu Deus pode. Vou melhorar e me recuperar mesmo que os prognósticos sejam todos contra; não vou morrer por conta desse tumor e os médicos vão ficar boquiabertos com minha cura milagrosa. Deus vai me usar para mostrar seu poder ao mundo.
Quando isso não se confirma e o fim se aproxima:
Não há por que me rebelar contra a vontade de Deus. Se minha hora chegou, eu vou partir e vou morar no Paraíso ao lado desse Deus que me ama. Se vou morrer tão jovem, de uma forma tão sofrida e lenta, é apenas porque assim Deus quer, e mesmo que eu não entenda o motivo, “existe um motivo”.
É
inegável que, entre um estágio e outro, a fé em que algo de bom vá (ou
possa) acontecer para mudar uma situação assim tão nefasta seja, de
fato, de grande conforto para o crente em questão, bem como é inegável
que umas doses a mais de qualquer bebida alcoólica nos deixe bem
alegres, desinibidos, autoconfiantes, esperançosos, etc., mesmo sem
nenhum motivo aparente para tais sentimentos, ou, o que é mais comum,
mesmo com motivos para estarmos tristes, tímidos, com baixa autoestima,
etc.
Mas
ter fé é uma condição de desonestidade intelectual que não pode ser
atingida por qualquer um. É preciso uma doutrinação eficaz,
suficientemente longa, que permita que essa desonestidade seja
subconsciente, inacessível à razão e protegida dela pela vontade
consciente de não afrontá-la.
Não se pode negar que a fé pode ser útil em muitos casos, assim como, pra mim, dois copos de caipiroska
podem ser úteis se eu não encontro coragem para abordar uma fadinha
loira que sentou bem do meu lado num bar. Mas o Barros desinibido,
articulado, galanteador, divertido, autoconfiante que ela vai conhecer
não é o mesmo Barros que eu conheço. Eu estou, no fim das contas,
vendendo gato por lebre. Estou sendo desonesto com uma outra pessoa.
Ter fé em Deus é ser desonesto consigo mesmo.
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