Longa baseado em romance norte-americano é estrelado por Tilda Swinton, que interpreta uma mãe assombrada por episódio trágico envolvendo o filho primogênito.
Para quem foge de informações cruciais sobre um filme, respeitarei a
vontade dos mesmos e não entregarei o cerne da trama de “Precisamos
Falar Sobre o Kevin”, obra baseada no romance homônimo escrito em 2003
pela norte-americana Lionel Shriver. Afinal, àqueles que não leram o
livro, recomendo que mantenham-se longe até mesmo de informações da
sinopse do IMDb (The Internet Movie Database), que entrega em
três linhas o resultado final de 112 minutos de uma história que é um
soco de mão cheia na boca do estômago.
O filme começa com a situação atual de Eva Khatchadourian (Tilda
Swinton, sempre ótima), uma mulher em depressão, desempregada, vivendo
sozinha sem rumo em uma casa de uma pequena cidade, onde sofre com o
ódio de alguns moradores. Nesse ambiente tedioso e extremamente
melancólico, vemos o cotidiano de Eva se costurar, por meio de flashbacks, com um passado não tão distante.
Casada com Franklin (John C. Reilly), ela dá à luz a Kevin, o
primogênito da família, que gera conflito entre mãe/filho desde o berço.
A relação entre os dois permeia todo o filme, até atingir o ápice na
adolescência do garoto, muito bem interpretado pelo jovem Ezra Miller. O
nascimento da doce Celia (Ashley Gerasimovich) vem complicar ainda mais
a convivência de Eva com Kevin, que se mostra um filho exemplar para o
pai, indiferente diante das tentativas da esposa de alertá-lo com
relação às maldades do adolescente. O título do livro/filme, assim, não
poderia ser mais adequado.
Em uma edição primorosa, que entrega em doses homeopáticas as peças
deste quebra-cabeça tenso e mórbido, “Precisamos Falar Sobre o Kevin”
tem um tom de suspense crescente e constante. Por vezes fantasmagórico,
prende o espectador na cadeira o tempo todo graças à diretora Lynne
Ramsay (que também adaptou a obra para a telona em parceria com Rory
Kinnear), que conduz a dupla Tilda Swinton e Ezra Miller com competência
louvável, aproveitando ao máximo os olhares e os silêncios – que não
são poucos e funcionam muito bem. Não é à toa que Ramsay disputou a
Palma de Ouro de Melhor Direção no Festival de Cannes 2011, perdendo
para Nicolas Wind Refn, diretor do ainda inédito “Drive”.
Da fotografia confortante que alterna entre amarelo e vermelho dos
momentos em família às caóticas imagens fora de foco e de movimentos
bruscos que retratam a opaca existência atual de Eva, o longa se
posiciona em flashes da mente perturbada de Eva, em que as
lembranças perturbadoras casam com a frieza natural e temerosa da figura
de Tilda. Ela, vencedora do National Board of Review e indicada ao
Screen Actors Guild (SAG), Bafta e Globo de Ouro, ficou de fora na
corrida pelo Oscar, que cedeu a já esperada vaga a Rooney Mara, de “Millennium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres“.
Simbologia clara à Eva bíblica, em uma analogia cristã à “mãe de
todos nós”, embora o filme não se embrenhe no campo religioso, a
personagem carrega uma culpa dilacerante como uma mãe e como um ser
humano prestes a explodir, como se sobreviver já se tratasse de um
esforço superior ao que poucos seriam capazes de suportar após o grande
trauma que a assola.
E nestes lapsos mostrando a trama em migalhas, como se estivesse em
um pesadelo, deixamos com que nossa imaginação, mais cruel que a própria
realidade, nos surpreenda e nos entregue o tão pesado epílogo. Brutal,
cruel e sincero ao extremo, “Precisamos Falar Sobre o Kevin” prova que,
entre tantas histórias da ficção que justificam a maldade, ela pode ser
tão natural como o aquele pecado cometido pela Eva original e seu Adão
no tal grande livro escrito há quase dois mil anos.
Léo Freitas formou-se em Jornalismo em 2008 pela Universidade
Anhembi Morumbi. Cinéfilo desde a adolescência e apaixonado por cinema
europeu, escreve sobre cinema desde 2009. Atualmente é correspondente do
CCR em São Paulo e desejaria que o dia tivesse 72 horas para consumir
tudo que a capital paulista oferece culturalmente.
FONTE: Cinemacomrapadura.com.br
Trailer legendado
Excelente filme - perturbador mesmo !!!!
"Há mais no ateísmo do que a simples negação de uma afirmação: ele é na verdade baseado em uma atitude científica que valoriza a evidência e a razão, que rejeita afirmações baseadas somente em autoridade e que encoraja uma exploração mais profunda do mundo. Meu ateísmo não é somente uma negativa de deuses, mas é baseada em todo um conjunto de valores positivos que eu enfatizo quando falo sobre ateísmo. Aquele lance de negar a existência de Deus? É uma consequência, e não uma causa" - Myers(2011)
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