Editor: Tiago Angelo
1 – O que é “acaso”?
Segundo os
dicionários, acaso é “um conjunto de pequenas causas independentes entre
si, que se prendem a leis ignoradas ou mal conhecidas, e que determinam
um acontecimento qualquer”.
É de se
notar que, na definição de “acaso”, existe uma ligação direta entre
causa e efeito, causa e consequência e que, mesmo desconhecendo a causa,
esta foi determinante para o acontecimento.
Em
outras palavras, quando observamos a ocorrência de um fato, mas dizemos
que o “acaso” provocou, é porque não conhecemos a causa que foi
determinante para o acontecimento.
E
se o acaso puder ser definido de outra forma? Se definirmos o acaso como
a ausência de causa ou como algo que pode ter se originado de tantas
outras causas – nenhuma determinante em si mesma para a ocorrência e,
ainda, possivelmente sem nenhuma conexão entre si – e que podemos dizer
com certeza que não existe causa ou série causal que a determinou? É
possível?
Creio que sim e é isso que
ocorre em nossas vidas. Religiões, superstições, conhecimento,
relacionamentos, mandingas, simpatias, são apenas formas como tentamos
agir sobre nossas vidas esperando conseguir um resultado previsível.
Entretanto,
o resultado que pretendemos alcançar como, por exemplo, sucesso
profissional ou acertar na loteria, não está vinculado diretamente a
nenhum desses fatores e pode até ter sido determinado por fator nenhum.
Apenas aconteceu por mero acaso. E neste caso, estamos querendo dizer
que nenhuma causa foi determinante para o resultado alcançado.
Aí,
o nosso cérebro dá um nó, porque, a imensa maioria das pessoas, dentre
as quais podemos citar filósofos, cientistas e outros estudiosos,
rejeita a ideia da existência de um acontecimento sem uma causa que o
determinou. Seria algo como, em física, dizer que observamos uma reação
sem ter havido qualquer ação anterior.
2. Determinismo
Existe
corrente filosófica que rejeita veementemente a ideia de acaso. Para
esses pensadores não existe acaso. Assim, não existem causas
independentes e desconhecidas, existe apenas o desconhecimento do início
de onde se originou a causa. E, ainda segundo essa corrente, as
explicações estariam no início do Universo onde tudo o que aconteceu ou
acontecerá já teria sido determinado. Essa corrente de pensamento é
chamada de “determinista”.
Foi
Laplace quem deu a maior contribuição ao determinismo ao afirmar que,
não existindo o que chamamos de acaso, é possível achar explicação para
qualquer evento. Segundo ele, se existisse uma inteligência que pudesse
conhecer todas as forças que atuam ou que atuaram sobre o Universo desde
o seu nascimento, essa inteligência poderia explicar qualquer
acontecimento, mostrando suas causas. Poderia, também, predizer, a
partir de uma situação presente, tudo que iria acontecer a partir daí.
Os
deterministas são de opinião que, em todo o Universo, todos os corpos e
forças atuam uns sobre os outros de forma que sempre haverá um
encadeamento obrigatório e lógico entre os acontecimentos.
Em
suma, para os deterministas, tudo está escrito e nada acontece por
acaso e, portanto, nada acontece sem uma finalidade já definida no
início dos tempos.
3. Livre arbítrio
Em
oposição ao determinismo, existe uma outra corrente que defende a
existência, não de uma causa única e primordial, mas de “cadeias de
causas e efeitos interligadas onde um fenômeno determina um outro, que
determina um outro…, e juntos eles constituem uma série causal”. Assim,
dentro de cada cadeia causal é possível localizar a causa de cada
ocorrência. Uma série causal poderia ser, então, completamente
independente de uma segunda.
Duas
séries causais seriam consideradas independentes quando não existisse um
elo de ligação entre elas. Como exemplo, citam a ocorrência de um
eclipse, ao mesmo tempo em que verifica que o pneu de seu carro furou.
Por serem fenômenos sem nenhum elo de ligação entre si, podemos dizer
que o furo do pneu ocorreu por acaso, não tem nada a ver com o eclipse.
Caso
o eclipse tivesse provocado intensa escuridão e, em consequência, o
carro tivesse caído em um buraco e furado o pneu, poderíamos dizer que
duas séries causais independentes (o eclipse e o fato do autor estar na
rua com seu carro) se cruzaram resultando em uma terceira série causal: o
furo no pneu do carro.
Segundo essa
entendimento a respeito do acaso, ainda que todos os fatos ocorram
dentro de um mesmo Universo, a existência de fatos isolados dos demais
justificaria o livre arbítrio. No pensamento determinístico não há
espaço para o livre arbítrio, tudo já estaria determinado e ocorreria de
acordo com o preestabelecido. A aceitação da existência de séries
causais independentes resulta na convicção de que o homem pode evitar
que séries causais independentes se cruzem, podendo, também, criar suas
próprias séries causais que gerariam consequências previsíveis.
Essa
corrente de pensamento levou o ser humano a acreditar em resultados,
bons ou maus, advindo de deuses, em atos praticados em vidas passadas,
em atos praticados por ele ou seus antepassados, na bondade dos santos,
bem como em mandingas, simpatias e superstições sem fim. Ou seja, com o
livre arbítrio, o ser humano, ao invés de se sentir livre para tomar as
rédeas de seus próprios resultados, ficou preso a fatores e crenças que,
na sua imaginação, seriam determinantes para criação de séries causais
propícias ao resultado que ele estava procurando.
Isso
acontece porque é muito difícil para o ser humano aceitar consequências
sem causas diretas, bem como reação sem ação anterior que a provocou.
Tudo porque tendemos a procurar padrões e, nos relacionamentos humanos e
suas consequências, pode não existir um padrão para as causas nos
resultados observados, mesmo que sejam iguais ou parecidos com os
milhares de resultados que ocorrem em torno de nós.
Não
que a causa seja desconhecida ou não possa ser apurada. Mas um mesmo
resultado pode ter sido obtido por várias causas sobre as quais não
temos controle, podemos apenas inferir o grau de probabilidade de um
evento ocorrer sob várias causas possíveis.
4. Aleatoriedade
Segundo
alguns estudiosos, essa aparente dificuldade em aceitar a ideia do
acaso em sua definição mais correta é porque resultaria na aceitação de
que os corpos que compõem o Universo não tem, nem nunca tiveram,
qualquer relação de causa e efeito direta. Rejeitam a ideia de que todos
os acontecimentos, inclusive o início do processo que resultou no
Universo como hoje o conhecemos, seriam obra do mais puro acaso.
A
partir daí, uma outra corrente vem se destacando, aceitando a
ocorrência de séries causais independentes, que consideram aleatórias,
ou seja, sem um padrão definido, e rejeitam a tese de que o ser humano
pode atuar sobre essas séries causais de forma a gerar resultados
previsíveis.
Os índios canadenses têm
uma frase que resume isto muito bem: “Formigas montadas em um tronco
descendo o rio têm a certeza de que o estão dirigindo”.
Assim,
não tendo como gerar resultados previsíveis, todos os humanos, por mais
conscientes que sejam e por mais visão de futuro que tenham, irão se
deparar a todo momento com o mais puro jogo de dados, onde existem
apenas probabilidades de acertar qualquer dos números em uma jogada
qualquer.
Por isso, existem
pensadores que afirmam ser a determinação e a persistência mais
importantes para a obtenção de um bom resultado em uma carreira
profissional ou empresarial, por exemplo, do que a inteligência,
sabedoria ou conhecimento acumulado.
Calvin
Coolidge, um dos Presidentes dos Estados Unidos, chegou a afirmar que:
“Nada no mundo pode substituir a persistência. O talento não pode. Nada é
mais comum do que pessoas talentosas frustradas. A genialidade não
pode. O gênio não recompensado é quase proverbial. A educação não pode. O
mundo está cheio de fracassados instruídos. Apenas a persistência e a
determinação são onipotentes.”
Diante
da aleatoriedade que cerca a existência humana, probabilidades de
acerto resultam, então, mais da quantidade de ações desenvolvidas em uma
determinada direção do que qualquer outro fator que esteja sob nosso
controle ou que venhamos a controlar.
Leonard
Mlodinov, em “O Andar do Bêbado”, define bem: “…um dos importantes
fatores que levam ao sucesso está sob nosso controle: o número de vezes
que tentamos rebater a bola, o número de vezes que nos arriscamos, o
número de oportunidades que aproveitamos. Pois até mesmo uma moeda
viciada que tenda ao fracasso às vezes cairá do lado do sucesso.”
Então, “tente outra vez”, como diria o sábio Raulzito.
Fonte: Bule Voador.
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