Religião - Xintoísmo
XINTOÍSMO:
A RELIGIÃO DO MUNDO E DA NATUREZA
uase
todas as religiões se indagam sobre o destino do homem após
sua morte. Procuram soluções que respondam a essa importante
busca da vida e do destino humano, ao mesmo tempo em que se empenham para
melhorar as condições de vida no dia-a-dia, respondendo
a problemas existenciais e procurando dar ao homem tranqüilidade,
segurança e paz de espírito. O conjunto dessas indagações
e conclusões se transforma em rituais, que formam a matriz da prática
de cada uma delas.
As religiões, nas quais a inquietude com o além-vida
tem escassa ou pouca importância, concentram seus ritos no bem-estar
individual e na felicidade terrena. Visam uma vida natural harmoniosa
dentro do cosmo, às vezes povoado por forças e seres espirituais,
nem sempre considerados divindades, como o xintoísmo. Nessas religiões,
a salvação é constituída pela harmonia da
integração social ou tribal nesta vida, mais do que pela
preocupação com a existência de um além, não
admitido por elas.
Essa harmonia é adquirida através de rituais
ligados à natureza e às suas manifestações,
como as estações, os rios, as montanhas, a água,
a fertilidade, etc. O xintoísmo é a religião da natureza.
É a religião em que se vive para esta vida.
XINTOÍSMO:
A RELIGIÃO DA NATUREZA E DA NACIONALIDADE JAPONESA
O xintoísmo não surgiu por obra de um fundador,
mas pela evolução do povo japonês. Ela se constitui,
portanto, em uma religião tipicamente japonesa. Não tendo
fundadores ou mestres, formou-se por uma estratificação
de crenças, ao longo dos tempos, com fortes influências budistas
e confucionistas. Não mantém profundas reflexões
filosóficas ou teológicas, nem escrituras sagradas, nem
código moral específico, imposto por autoridade divina,
ou que se refaça a qualquer revelação sobrenatural.
Nela não existe, portanto, uma maneira definida
de entender o mundo, a vida, o destino individual das pessoas. No mesmo
tempo, esta evolução secular, através do crescimento
coletivo da sociedade, constituiu uma consciência coletiva. O xintoísmo
é a religião oficial do povo japonês, a síntese
de sua cultura. O imperador, considerado como o legítimo descendente
da deusa criadora do Japão, Amaretasu (Deusa Sol), conforme as
lendas locais, era a personificação de todo o xintoísmo.
Após a Segunda Guerra Mundial, a derrota do Japão
em 1945, impensável pelos japoneses, obrigou o imperador a declarar
que não era filho de nenhuma divindade, mas simples mortal. Mas
o xintoísmo não sofreu nenhum abalo e continua, ainda, como
a religiosidade que une os japoneses e lhes proporciona a consciência
nacional, que nenhuma outra religião consegue dar a seus adeptos.
Por isso, as conversões de japoneses para outras religiões
são difíceis e raras no Japão.
O XINTOÍSMO
NÃO RECONHECE UM PARAÍSO ALÉM DA MORTE
O xintoísmo não admite divindades, em sentido
clássico, de seres divinos transcendentes, independentes e governantes
do mundo por eles criado, mas reconhece a existência de entidades
espirituais que se manifestam em seres animados, pessoas e animais; e
nos seres não-animados, como montanhas, árvores, água,...
Chamadas de Kami, as entidades são tantas, quantas
são as variadas diversificações da natureza. Com
esta concepção, que não significa panteísmo
generalizado, tudo no universo se torna sagrado, ou seja, interligado
e interdependente, merecedor de culto respeitoso por parte das pessoas.
Também é muito elevado o número
dos santuários construídos a partir do século 3,
sob a influência budista, e dedicados aos Kamis e suas manifestações
na natureza. O xintoísmo confere uma quase dignidade divina a tudo
o que pertença à natureza, como o sol, outros astros, montanhas,
rios, lagos, bosques e a cada árvore, pedra, etc. Até as
pessoas, depois da morte, podem se transformar em Kamis, não claramente
especificados. Tanto que os ancestrais são personificados ou lhes
é dedicada uma árvore, um riacho e, através deles,
são lembrados, cultuados e venerados.
O japonês sente nitidamente a presença dos
Kamis na sua vida e, nos relatos dos missionários, percebe-se como
é arraigado o sentimento de agradecimento e de dependência
aos Kamis, por tudo o que deles recebe. Um missionário testemunhou
como uma senhora japonesa, professora de escola cristã, dizia:
“Toda manhã, ao me levantar, inclino-me ao sol que aparece
e agradeço”. À pergunta se agradecia o sol ou ao criador
do sol, aquela senhora respondia que a dúvida não tem sentido.
“O importante é a presença benfazeja do sol”.
Por essa coparticipação dos Kamis da natureza,
da qual são considerados responsáveis, assim como da colheita,
das flores, dos animais,... criou-se no japonês uma concepção
de que todo o mundo material é bom; que não existe pecado,
no sentido de ofensa a uma divindade, mas simplesmente imperfeições
que devem ser purificadas com ritos, visitas e ofertas aos templos, banhos
purificadores nos riachos ou nos templos, peregrinações
aos lugares sagrados etc., para não sofrer a influência do
Yomi, a essência negativa do universo que emana energias impuras.
A PUREZA
A purificação ritual destas imperfeições
é o retorno a uma vida harmônica para conviver pacificamente
com os Kamis que povoam toda a natureza. Aqueles que se recusam a se purificar,
e insistem em suas imperfeições nessa vida, serão
destinados a um mundo obscuro ou estarão incorporados ao Yomi.
Este é o único aceno a uma sobrevivência futura: impessoal,
vaga e inexplicável transformação em energia impura
ou em espírito mau da natureza. Para o xintoísmo, não
existe um lugar de expiação eterna dos pecados, o inferno,
nem de felicidade ou de sobrevivência pessoal eterna.
A felicidade é alcançada somente aqui nesta
vida terrena, quando vivida em equilíbrio com o universo natural.
Por esta visão, o xintoísmo dá grande valor à
natureza, da qual compartilha a essência. Defende, portanto, o equilíbrio
e o respeito a todos os seus aspectos. Para viver em sintonia com a natureza,
que se divide em pura e impura, o ser humano, quando comete imperfeições,
deve buscar com insistência a sua purificação, para
obter o consentimento dos Kamis e com o objetivo de sua sublimação
espiritual.
As impurezas são causadas por tudo o que é
contrário ao bom ordenamento da natureza e, portanto, elas podem
romper a harmonia com os Kamis, de modo especial, aquilo que é
associado ao sangue derramado, como matar pessoas e animais; o parto e
as menstruações causam impureza à mulher. Graves
pecados também comete quem arruína as margens das várzeas
do arroz, um dos símbolos do Japão. Para tudo isso, o xintoísta
purifica-se nos templos, nos lugares sagrados, através de banhos,
orações, votos, oferendas e outros rituais.
Embora não seja religião hierarquizada,
no xintoísmo existem sacerdotes, homens e mulheres que se dedicam,
nos templos, ao serviço dos Kamis superiores ou à meditação,
nos mosteiros, onde se esforçam para se integrar à harmonia
da natureza, como forma de purificação e sublimação
da sua existência. Os santuários xintoístas, mais
de cem mil no Japão todo, são metas de numerosas romarias,
mantidas pelas ofertas para se obter a purificação.
O além no Xintoísmo
o
xintoísmo, o “além” é muito confuso para
a mente ocidental, mais ainda após seu contato, ao longo dos séculos,
com o taoísmo e o budismo, religiões chinesas, e, ultimamente,
com o cristianismo. Os xintoístas japoneses indicam a morte com
o termo shinuru, que significa “o hálito”. A morte
acontece quando o “hálito” sai do corpo e muda de lugar.
A pessoa continua, porém, a viver no mundo, em uma situação
não bem definida, mas, afirmam os xintoístas, ela conserva
a consciência que tinha antes de morrer.
Por
isso, xintoístas japoneses veneram seus ancestrais através
das expressões naturais, como vegetais plantados em memória
dos finados, através dos rios, etc. Os espíritos maus moram
em um lugar obscuro, subterrâneo, ou se transformam em Yomi, o espírito
do mal.
Esse lugar é pintado como horrível, tenebroso,
cheio de sujeiras e imundícies, povoado por espíritos femininos,
monstruosos e horríveis. Aqueles que conseguem sair desse ambiente,
devem se submeter a ritos de purificação antes de retornarem
à superfície da terra.
Os xintoístas não admitem ressurreição,
nem reencarnação. Antigamente, os japoneses acreditavam
que o imperador e seus descendentes eram filhos de divindades. Diziam
que esses, depois da morte, transformavam-se em espíritos celestiais.
Hoje o xintoísmo, embora mantenha profunda raiz cultural japonesa,
vai evoluindo, e essas crenças se reduzem mais a aspectos de um
folclore histórico para celebrar as festas nacionais, mas deixam,
no entanto, um vazio na alma japonesa, bombardeada pelo progresso técnico,
vertiginoso e materialista.
(Fonte: Le Religioni del Giappone,
de Franz K. Numazawa, in Cristo e le Religioni del Mondo, Vol III)
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