"Há mais no ateísmo do que a simples negação de uma afirmação: ele é na verdade baseado em uma atitude científica que valoriza a evidência e a razão, que rejeita afirmações baseadas somente em autoridade e que encoraja uma exploração mais profunda do mundo. Meu ateísmo não é somente uma negativa de deuses, mas é baseada em todo um conjunto de valores positivos que eu enfatizo quando falo sobre ateísmo. Aquele lance de negar a existência de Deus? É uma consequência, e não uma causa" - Myers(2011)
domingo, 13 de dezembro de 2009
A Inquisição Farmacrática - "The Pharmacratic Inquisition" (2007 - EUA). Dirigido por Jan Irvin e Andrew Rutajit.
"A religião é uma defesa contra a experiência religiosa" - Carl G. Jung (1865-1961)
Quando crianças, nós acreditamos fielmente em Papai Noel. Até que, sem jamais termos visto o velhinho em pessoa, começamos a desconfiar de sua existência. E então um amiguinho mais velho conta o que já estava se tornando óbvio, mas não queríamos acreditar, porque nossos pais ajudavam a manter a história viva. Quando crianças, nós também aprendemos a acreditar na história do menino Jesus, e de um sábio e bondoso senhor de barba branca que é o pai de todo o universo e se chama Deus. Com o passar do tempo, sem jamais termos visto Deus ou Jesus, muitos de nós não deixam de acreditar neles. Curiosa analogia, que suscita a pergunta: por que as duas histórias se diferenciam no final?
O mito do Papai Noel se mantém vivo entre as crianças até hoje porque, entre outros motivos de cunho emocional, estimula o comércio de brinquedos. Já o outro bom velhinho de barba branca movimenta instituições lucrativas direcionadas a outro público distinto: os adultos.
O filme A Inquisição Farmacrática parte dos ancestrais mitos pagãos de devoção ao sol para explicar como a origem das religiões tem relação íntima com o consumo de alucinógenos, em especial o cogumelo Amanita muscaria. Tudo com referências, como os livros Astrotheology & Shamanism – Christianity’s Pagan Roots, dos próprios diretores do filme (“Astroteologia e Xamanismo – As Raízes Pagãs do Cristianismo”, inédito no Brasil); Sacred Mushrooms: The Secrets of Eleusis, de Carl A. P. Ruck (“Cogumelos Sagrados: O Segredo de Eleusis”) e os livros The Sacred Mushroom & the Cross (“O Cogumelo Sagrado e a Cruz”) e The Holy Mushroom – Evidence of Mushrooms in Judeo-Christianity (“O Cogumelo Sagrado – Evidências dos Cogumelos no Cristianismo-Judaico”), do estudioso de línguas antigas John Marco Allegro.
Ex-católico, Marco Allegro foi convidado pela Igreja para integrar a equipe de tradutores originais dos Pergaminhos do Mar Morto, documentos descobertos entre 1947 e 1956, escritos em Hebraico, Aramaico e Grego, datados da época em que Cristo supostamente andava pela Terra. Marco Allegro foi o único a terminar seu trabalho, que é ignorado e suprimido por muitos, por contestar a veracidade da história de Jesus, enquanto a tradução oficial foi escondida pela Igreja Católica por cerca de 50 anos.
A partir de evidências e analogias históricas surpreendentes, o filme mostra a evolução dos rituais pagãos que utilizavam alucinógenos, que provocam uma experiência curiosamente parecida com as descrições das visões espirituais descritas por apóstolos religiosos, e que serviram como base para a criação das religiões modernas.
Entretanto, a coisa pega fogo a partir do capítulo 6, na segunda metade do documentário, quando o filme mergulha na botânica do cogumelo Amanita muscaria e desvenda referências a seu uso nos símbolos do cristianismo. As estátuas de anjinhos que fazem pipi nas fontes do Vaticano e de tantas outras cidades da Europa Medieval têm sua origem no curioso fato de que os xamãs ancestrais, após comerem os cogumelos, bebiam sua prórpia urina, uma vez que a concentração dos compostos ativos da Amanita é potencializada na mesma. Isso permitia aos xamãs experimentar a morte, sem de fato morrer, o que remete diretamente ao conceito religioso de ressurreição.
Desta forma, os símbolos de uma das maiores festas do cristianismo, o Natal, vão sendo desvendados um a um: a origem do velhinho, o porque dos pinheiros decorados com bolas coloridas e a famosa descida pela chaminé com um grande saco de presentes nas costas. Papai Noel seria nada menos que a representação figurativa dos antigos xamãs nórdicos, que colhiam exemplares do Amanita nas florestas coníferas, penduravam-nos nos pinheiros para secarem ao sol, e carregavam-nos em um grande saco nas costas, visitando as famílias para praticar rituais de cura e proteção. Com o tempo inóspito da região, muitas vezes a porta de entrada das moradias ficava coberta por camadas de neve, restando ao curandeiro entrar pela chaminé. Outra maneira de se fazer isso é dar exemplares do Amanita muscaria às renas, animal tão comum na região da Sibéria, onde se originaram estes cultos, como os cavalos entre nós hoje, para então oferecer sua urina aos participantes do ritual. Não impresiona que as renas de Papai Noel tenham a capacidade de voar.
A perseguição cristã às religiões arcaicas baseadas na ingestão de enteógenos sacramentais, ou "inquisição farmacrática", teve início nos primeiros séculos cristãos, e prossegue até hoje disfarçada de assunto de saúde pública com a questão da "Guerra às Drogas". Ao mergulhar nestas questões, é revelador pensar nas ironias que permeiam os paradigmas da sociedade: no final das contas, os enteógenos não são mais "droga" do que a televisão, e não foi Jesus quem existiu de fato, mas o bom e velho Papai Noel.
Pescado em Plantandoconsciencia.org
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