Minha
irmã me mandou esse vídeo por e-mail. Ela é religiosa — católica, como
eu era — e, como toda pessoa religiosa, precisa raciocinar de uma forma
desonesta para manter sua fé.
Sendo
ateu, não foi difícil perceber a desonestidade por trás da mensagem que
o vídeo pretende transmitir. O crente, ao contrário, só consegue
enxergar a perfeição com que o filme aborda o amor de Deus pela
humanidade.
Esse
vídeo, que parece cumprir o papel de uma propaganda ou autoexaltação da
fé cristã, é entendido pela mente do religioso como um tipo de
“briefing”. Acho que eles devem perguntar a alguém a quem mostram o
filme pela primeira vez: “Entendeu agora?”.
Eu entendi sim: o crente é, antes de tudo, uma pessoa intelectualmente desonesta consigo mesma.
A
situação exibida no filme pretende ser associada ao mito da salvação da
humanidade pelo sacrifício de Cristo. O operador da ponte do trem seria
Deus, e a criança que morre esmagada, Jesus. Mas o homem que tem que
decidir entre salvar seu próprio filho ou salvar a vida de vários
desconhecidos não está, nem de longe, na mesma situação do deus cristão.
Não foi ele quem “armou” o acidente, quem “arquitetou” esse “plano” que
envolveria, obrigatoriamente, a morte do seu filho para a salvação dos
passageiros do trem.
Portanto
o vídeo jamais poderia servir para o fim a que se destina, pois a
comparação é completamente equivocada. Mas o crente recorre, como
sempre, à sua desonestidade para enxergar o que não está lá, para ver as
coisas como elas “precisam” ser vistas, para continuar mantendo de pé
um universo encantado onde Deus existe. Sem essa desonestidade
intelectual inconsciente, esse universo desmoronaria.
O mito da “Salvação”, pela história do trem (honestamente contada), teria que ser assim:
Deus
gerou muitos filhos. Mas a grande maioria deles não o amava, nem lhe
dava atenção, nem ligava para o que ele dizia… Um dia, Deus armou um
plano para conquistar o amor dos filhos rebeldes: colocou todos eles num
trem, menos o caçula, e lhes disse que eles iriam passear e se divertir
muito, enquanto ele e o filhinho mais novo estariam trabalhando na
ponte levadiça. Daí, quando o trem se aproximou, Deus empurrou o caçula
no fosso e abaixou a ponte em cima dele. E tendo feito isso, passou a
chantagear os que haviam sobrevivido no trem: “Como vocês podem não me
amar depois de tamanha prova de amor que lhes dei? Afinal, sacrifiquei a
vida do meu filho mais amado pela de vocês…”
Seria
de se esperar que pessoas honestas, ao descobrirem que tal tragédia foi
intencionalmente arquitetada, e justamente por aquele que está querendo
posar de herói, ainda mais quando se supõe que ele poderia ter obtido
os mesmos resultados por outros meios que não o sacrifício de um
inocente, seria de se esperar que essas pessoas vissem nesse ato absurdo
o dedo de um louco, ou de um assassino abominável.
Somente
a desonestidade permite que o cristão veja esse personagem do seu livro
sagrado como detentor de poder, sabedoria e amor infinitos; porque,
honestamente, Deus teria que ser visto como um criminoso execrável.
Ou como uma divindade com sérios problemas mentais.
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