Apesar de destacarem ser impossível fazer uma análise completa somente pela leitura da carta (veja íntegra no final deste texto), os profissionais concordam em um ponto: a organização das idéias de Wellington na carta é confusa e alguns trechos apontam preocupações típicas de delírios como limpeza ou pureza ("os impuros não poderão me tocar sem luvas").
Para Fábio Barbirato, médico da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), os traços do delírio são notados em vários trechos da mensagem. "Há uma certa falta de lógica que acompanha tudo o que está escrito. Especialmente no trecho que ele fala sobre os animais, aquilo parece estar muito desagregado, não parece fazer sentido."
O psiquiatra da ABP também afirma que Wellington não tinha plena consciência de seus atos. "Ao analisar o caso, parece que o atirador vivia um possível quadro esquizofreniforme. É como se fosse um corte na realidade, ele acreditava no seu mundo e esquecia tudo o que estava em volta. Talvez, no futuro, ele pudesse avançar para uma esquizofrenia de verdade."
Já para o psicólogo Fábio Leyser Gonçalves, do Centro de Análises do Comportamento, a carta mostra que a ação do atirador foi premeditada."Há uma certa falta de lógica que acompanha tudo o que está escrito. Especialmente no trecho que ele fala sobre os animais, aquilo parece estar muito desagregado, não parece fazer sentido" afirma.
“É um pensamento ordenado, mas delirante. Especialmente quando ele passa essa ideia de pureza, de ser um indivíduo casto, de certa forma até 'superior'.”
Gonçalves também comenta um possível sentimento de heroísmo no ato de Wellington. "O texto está organizado em volta deste tema da pureza, como se ele tivesse um propósito, uma missão."
Psicopata ou psicótico?
Barbirato descarta a hipótese de se tratar de um psicopata. "Com base apenas na carta, é possível notar que o Wellington não parece ser uma pessoa perversa, malvada", afirma o especialista.
"Vejo que ele matou muito mais por raiva do que pura e simplesmente por desprezo. Ele ajoealhava as crianças e disparava. Se você for pensar em psiquiatria forense, era uma pessoa que queria humilhar a outra", explica o psiquiatra. "Wellington também escreve se preocupar com Deus, com os animais. Um psicopata não se preocupa com o que o outro pensa."
Barbirato reconhece, porém, que a mensagem é enigmática e confusa. "Essa carta deixa a gente muito na dúvida. Um psicopata faz mal a alguém, mas nunca quer sair perdendo. Ele manipula todos para não sair em prejuízo nunca. Já a pessoa que se mata está sempre, de alguma forma, perdendo”, diz Fábio.
Sexualidade
Os especialistas também comentaram sobre um possível desconforto de Wellington com a própria sexualidade. "Há uma conotação de sexualidade na carta. Claro que não dá para saber se a pessoa sofreu abuso ou não, mas os temas de pureza, de castidade, estão presentes", afirma Barbiroto.
Já o psicanalista e psiquiatra Francisco Algodoal, da Sociedade Brasileira de Psicanálise, acredita que apenas hipóteses vagas podem partir a partir somente da mensagem deixada pelo atirador. "A coerência do texto vai, aos poucos, deslizando para algo delirante", diz.
Algodoal somente arrisca estabelecer alguma relação da carta com os alvos da tragédia quando lembra das referências sobre pureza e o desejo de ficar perto da mãe, expressos na mensagem. "O fato dele ter alvejado mais meninas do que meninos talvez aponte uma dificuldade enorme com a sexualidade, um complexo de inferioridade tremendo."
"Essa vontade de ficar perto da mãe, de ser puro, pode ser indício de um trauma com a própria sexualidade, o desejo de se manter puro, casto."
Estrutura da carta
A carta contém dois trechos. No primeiro, Wellington fala sobre orientações para o seu enterro e mostra estar preocupado com a "pureza" daqueles que irão mexer com o seu corpo.
Na parte final, o atirador dá instruções sobre a herança de uma casa em Sepetiba, que não deveria ser deixada para familiares, mas para instituições que cuidem de "animais abandonados".
Wellington ainda cita a mãe, Dicéa Menezes de Oliveira, que estaria sepultada no cemitério de Murundu, mesmo local onde algumas das vítimas da tragédia foram enterradas nesta sexta-feira.(sábado).Abaixo a transcrição ,na integra,da carta deixada por ele.
“Primeiramente deverão saber que os impuros não poderão me tocar sem luvas, somente os castos ou os que perderam suas castidades após o casamento e não se envolveram em adultério poderão me tocar sem usar luvas, ou seja, nenhum fornicador ou adúltero poderá ter um contato direto comigo, nem nada que seja impuro poderá tocar em meu sangue, nenhum impuro pode ter contato direto com um virgem sem sua permissão, os que cuidarem de meu sepultamento deverão retirar toda a minha vestimenta, me banhar, me secar e me envolver totalmente despido em um lençol branco que está neste prédio, em uma bolsa que deixei na primeira sala do primeiro andar, após me envolverem neste lençol poderão me colocar em meu caixão. Se possível, quero ser sepultado ao lado da sepultura onde minha mãe dorme. Minha mãe se chama Dicéa Menezes de Oliveira e está sepultada no cemitério Murundu. Preciso de visita de um fiel seguidor de Deus em minha sepultura pelo menos uma vez, preciso que ele ore diante de minha sepultura pedindo o perdão de Deus pelo o que eu fiz rogando para que na sua vinda Jesus me desperte do sono da morte para a vida eterna.”e continua...
E para finalizar: Arnaldo Jabour e o deus da morte.
Fonte:G1
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