quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Os crentes e suas variadas versões para

a omissão de Deus nas catástrofes humanitárias

Autor: CARLOS TAVARES — jornalista, amante da leitura e livre pensador 

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Confesso não saber a que retórica poderá ainda recorrer o pensador lúcido, não afetado por desonestidades intelectuais de ferir a razão, para mostrar com clareza irrefutável o quão ridícula é a teologia da fé. A realidade da vida é tão avassaladoramente clara que a menos refinada das reflexões silogísticas bastaria para pôr fim à enfadonha discussão patrocinada pelo rebanho do pensamento religioso. Em outro ensaio já expus as contradições da oração. Neste, deixarei às vísceras a teologia que sustenta a religião quando provocada a sair de sua zona de conforto do seu mundo mágico adornado de retórica açucarada ou fulgurações epifânicas para explicar o comportamento de sua divindade diante das catástrofes humanitárias.

Como a fé não tem pudores para expor contradições e incoerências, vemos, nós os lúcidos, escancarada a gratuidade pueril de sua empáfia quando cotejamos a diversidade de suas interpretações da tragédia humanitária. Megaeventos sísmicos, como o ocorrido nas Filipinas, podem, para uns, significar a ira de Deus; para outros, é Deus agindo no livramento de alguns; e, para muitos, é permissão de Deus tais sofrimentos, uma forma de mostrar ao Homem que ele deve voltar para os braços do Pai. Deus, por muito nos amar, teologizam os crentes, está nos educando com sua divina pedagogia. Só o pensamento religioso ainda tem a estúpida licença para ofender a dignidade humana sem merecer um Nuremberg.

Comecemos com a interpretação dos que enxergam sinais de fé diante do cenário de desolação e dor. No caso das Filipinas, surgiu da imagem de uma das iconografias variadas que o cristianismo usa para representar seu Deus que, na visão dos crentes, por insondáveis mistérios divinos, sobreviveu incólume da sanha devastadora do supertufão cuja potência destruiu casas, casebres, hospitais, viadutos, aeroportos, creches, ruas, vilas, cidades e até igrejas, mas não teve forças para derrubar uma frágil estátua de gesso ou alvenaria.

Eu poderia começar mostrando que o Deus dos que acreditam no poder sobrenatural intervencionista, no primeiro livro, manda matar quem construir imagens com representação do que há no céu e na Terra, cujo mandamento uma corrente da mesma fé usa para combater a outra, e esta, por sua vez, baseada num trecho perdido nesse mesmo primeiro livro, interpreta uma permissão do mesmo Deus para confeccionar imagens, de barro, madeira, gesso, metal ou de qualquer outro mundano material para adoração ou devoção dos fiéis.

Eu poderia, mas não vou, porque o pensamento religioso é estúpido a ponto de encerrar uma discussão com respostas dogmáticas proibidas de questionamento. Se a fé diz que ajoelhar diante da imagem do santo é devoção e diante do seu Deus é adoração, não há que se contestar. Mas eu não vou expor tais contradições; destas, trato em outro texto. Aqui, serei prático, sem análises retóricas ou filosóficas mais profundas. Vamos analisar a hipótese de Deus nos aplicando sua insondável pedagogia através desse sinal: permitiu a destruição total e as mortes de crianças, doentes mentais, mulheres grávidas, deficientes, enfermos nessa miserável e religiosa Filipinas, mas sustentou com suas mãos poderosas uma estátua feita por um santeiro ou por uma linha de produção de alguma fabriqueta qualquer para nos passar uma mensagem que deve ser devidamente interpretada, embora os mesmos adeptos da corrente de fé admitam, volta e meia, quão insondáveis são seus desígnios.

Se Deus tem poder suficiente para intervir, mas preferiu omitir-se, ocupando-se apenas de escorar um pedaço de argamassa, ele ou é sádico, perverso, arrogantemente insensível, ou não passa de uma doidivana figura entretida com a criação de suas parábolas, metáforas e hermenêuticos desígnios para sua diversão, tal como um rei exótico num coliseu repleto de escravos enfrentando lanças e leões sem saber que seu sofrimento não passa de um macabro teatro da realidade para entreter do tédio a realeza.


CONTINUA…
Fonte: Deusilusão.